A coerência nunca foi tão importante para a formação do caráter de um ser humano, muitos pregam. Coerência em casa, no trabalho, na vida social, no amor, em tudo. Ser congruente com aquilo que diz, fugindo do velho 'faça o que eu digo, mas, não faça o que eu faço' é um dos passos para a construção de um caráter sólido, segundo muitos. A pessoa de 'dupla-face' geralmente não é bem vista, porque pode-se não saber qual é o seu verdadeiro eu. Mas a questão aqui, é que muitas vezes a palavra coerência é incompatível com o dicionário de muitas situações, com a realidade de muitas vidas. Nestes casos, a tão assustadora dupla-face é faz-se necessária.
Imagina que você tem um camisa verde e outra azul. Imagina que seus pais são separados. Que o seu pai gosta de verde e, sua mãe, de azul. E que seu pai abomina o azul e, sua mãe, faz o mesmo com o verde. E você adora suas camisas verdes e azuis. Agora veja a seguinte situação: você passa metade do dia com seu pai e metade com a sua mãe. Todos os dias da semana, sem exceção. Quando você está com o seu pai, você necessariamente precisa usar sua camisa verde e ai de você se fizer algum elogio, por mínimo que seja, à cor azul. Seu pai nem imagina que você possua uma camisa azul. Na outra metade do dia, o inverso: você veste sua camisa azul perante a sua mãe, e ai de você se ela descobrir que você está por aí andando de verde. Todo santo dia, você precisa praticar esse esconde-esconde de camisas. Se não o fizer, coitado de você, vai arrumar uma briga 'federal'. Você é obrigado a ser verde para um, e azul para o outro. Atenção, jamais se confunda, é verde para o pai e azul para a mãe. Não me surpreende que você esteja cansado e estressado com esse jogo de troca de camisas. E se o seu pai fosse mais tolerante com o azul ? e se sua mãe aceitasse mais o verde ?. Seria muito melhor, não ?. Pouparia você de todo esse estresse.
A história do parágrafo acima, que não sei como mas eu inventei, é apenas um eufemismo de uma situação tragicamente real. E que antes fosse apenas uma questão de troca-troca de camisas verdes e azuis. Tal como um estrategista, nessa história real, é necessário saber muito bem aonde se pisa. De maneira cirúrgica, caso contrário, você pode pisar em uma mina. Estou a cerca de três meses de completar 28 anos, e mais da metade desse tempo eu vivo assim, em uma guerra. Uma guerra em que a tolerância passa tão perto quanto a Muralha da China da Estátua da Liberdade. Em que o ódio se transformou em água, impossível de imaginar como viver sem ela. E assim é a minha vida, sobrevivendo entre o verde e o azul. Sem poder ao menos elogiar a outra cor na presença do que a detesta. Fazendo o impossível para agradar ao verde, sem desagradar ao azul, e agradar ao azul sem desagradar ao verde. É possível isso de forma coerente ? não é !. Mas existe coerência em uma guerra ? existe tolerância em uma guerra ? existe compaixão em uma guerra ? respondam vocês mesmos.
Amo o verde tanto quanto amo o azul. Quero vê-los sempre felizes. Devo quase tudo do que sou hoje a essas duas cores. Daria a minha vida pela felicidade deles, se isso fosse possível. Deus abençou minha aquarela com essas duas cores maravilhosas. Uma pena que escolheram o ódio, a intolerância, sem ao menos medirem quão mal isso poderia fazer (e faz) aqueles que são frutos dessa mistura de cores. Como é triste, como é doloroso. Em praticamente cada momento da minha vida, preciso ter o cuidado de não misturar as duas cores. Meu coração sangra de dor em verde e azul.
E é em meio a esse jogo de dupla-face que eu levo a minha vida, com muitas responsabilidades a cumprir, com muitos sonhos a tentar realizar. E é em azul e verde que me atraso nos estudos, que fico deprimido, que me sinto sem saída muitas vezes, que me estresso, que choro. Tudo seria bem diferente se mais duas cores fossem acrescentadas à essa guerra bicolor: as cores da tolerância e da compaixão.
Um comentário:
Nós somos escravos de nossas escolhas, meu amigo... Não tem jeito. Pra unir opostos, só com o espírito muito elevado de ambas as partes. Quem sabe o tempo os faça refletir... Parabéns pelo texto.
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